Yolanda, La Amorosa, retoca a maquiagem no capricho de quem vai encontrar o homem da sua vida em uma festa, comprime um lábio no outro para corrigir conscientemente o batom, põe os brincos de ouro, ajeita as cinco camadas entre saia e anáguas, dá um leve toque -um tapinha de nada, quase sem propósito- no chale sobre os ombros, mira de forma sedutora os homens presentes naquele camarim e, poderosa, parte para o ringue ao som de um trilha caliente e romântica.
Os marmanjos que lotam o ginásio da serra de El Alto, a 4.900 metros de altitude, babam, deliram, grunhem selvagens e intraduzíveis onomatopéias. Eles estão nas nuvens, bem perto dos céus, e a testosterona escorre dos cantos das suas bocas nervosas e devoradoras de salteñas, a comida típica boliviana que domina as arquibancadas de circo mambembe.
La Amorosa mal sobe ao ringue, com os homens, comovidos, ainda apertando as duas mãos sobre os corações para reverenciá-la, e eis que surge a temível desafiante Jenifer Dos Caras (duas caras, a falsa e violentíssima), ao som de um tecno maligno dos infernos. Até as crianças, que ficam a correr e se pegar em brincadeiras perversas que imitam o que se passa no ringue, paralisam, estátuas, para ver o que está acontecendo. Jenifer massacra a queridinha do público. Bate sua linda e sedutora face no tablado. Por mais que haja um truque de melodrama mexicano -o grande segredo da luta livre- a desafiante machuca mesmo, vi como aparecem roxas depois em todos os corpos.
Minutos antes, elas haviam me confessado: ao contrário da briga dos homens no mesmo gênero, com as mulheres não há amizade, é porrada, sangue. Mulheres.
Yolanda reage. O público enlouquece.
No duelo, suas coxas se expõem um tanto, algo incomum para uma cholita na sua rotina. Nosso fotógrafo João Wainer está de frente para o crime, pero, respeitoso, muda o foco. Os machos gozam como em um gol no Morumbi ou no Maraca. Agora parecem fêmeas que se pegam na rua em disputa ridícula por um homem, acontece: luta de cabelos, com chutes nos países baixos. Dói só de vê-las.
É, os marmanjos, que também se pegam naquele mesmo ginásio, na luta mais próxima dos céus do mundo -graças à altitude- não passam de uns mascarados, como na clássica versão mexicana do embate. La Amorosa e Dos Caras não, amigo(a) viajante, elas são da turma das cholitas luchadoras, fenômeno da luta livre da Bolívia, exemplo único do mundo. Você vê e não acredita, ali na cadeira vizinha de um japonês que delira tal qual o espectador boliviavo de todos os domingos, o dia sagrado da peleja.
“São adagas voadoras com 90 kg de corpo e camadas sem fim de roupas, céus, oh my God”, espanta-se Ren Hassegawa, 24 anos, falando um pouco para o friorento e nordestinado repórter, mas com os olhos na sua namorada e companheira de viagem, uma japonesa que sinceramente não consegui anotar o nome, de tão linda que era e de batismo difícil de soletrar, vai saber os segredos contidos naquele ideograma em forma de fêmea.
Os marmanjos que lotam o ginásio da serra de El Alto, a 4.900 metros de altitude, babam, deliram, grunhem selvagens e intraduzíveis onomatopéias. Eles estão nas nuvens, bem perto dos céus, e a testosterona escorre dos cantos das suas bocas nervosas e devoradoras de salteñas, a comida típica boliviana que domina as arquibancadas de circo mambembe.
La Amorosa mal sobe ao ringue, com os homens, comovidos, ainda apertando as duas mãos sobre os corações para reverenciá-la, e eis que surge a temível desafiante Jenifer Dos Caras (duas caras, a falsa e violentíssima), ao som de um tecno maligno dos infernos. Até as crianças, que ficam a correr e se pegar em brincadeiras perversas que imitam o que se passa no ringue, paralisam, estátuas, para ver o que está acontecendo. Jenifer massacra a queridinha do público. Bate sua linda e sedutora face no tablado. Por mais que haja um truque de melodrama mexicano -o grande segredo da luta livre- a desafiante machuca mesmo, vi como aparecem roxas depois em todos os corpos.
Minutos antes, elas haviam me confessado: ao contrário da briga dos homens no mesmo gênero, com as mulheres não há amizade, é porrada, sangue. Mulheres.
Yolanda reage. O público enlouquece.
No duelo, suas coxas se expõem um tanto, algo incomum para uma cholita na sua rotina. Nosso fotógrafo João Wainer está de frente para o crime, pero, respeitoso, muda o foco. Os machos gozam como em um gol no Morumbi ou no Maraca. Agora parecem fêmeas que se pegam na rua em disputa ridícula por um homem, acontece: luta de cabelos, com chutes nos países baixos. Dói só de vê-las.
É, os marmanjos, que também se pegam naquele mesmo ginásio, na luta mais próxima dos céus do mundo -graças à altitude- não passam de uns mascarados, como na clássica versão mexicana do embate. La Amorosa e Dos Caras não, amigo(a) viajante, elas são da turma das cholitas luchadoras, fenômeno da luta livre da Bolívia, exemplo único do mundo. Você vê e não acredita, ali na cadeira vizinha de um japonês que delira tal qual o espectador boliviavo de todos os domingos, o dia sagrado da peleja.
“São adagas voadoras com 90 kg de corpo e camadas sem fim de roupas, céus, oh my God”, espanta-se Ren Hassegawa, 24 anos, falando um pouco para o friorento e nordestinado repórter, mas com os olhos na sua namorada e companheira de viagem, uma japonesa que sinceramente não consegui anotar o nome, de tão linda que era e de batismo difícil de soletrar, vai saber os segredos contidos naquele ideograma em forma de fêmea.
Adagas é um filme de 2004, dirigido pelo chinês Zhang Youmou, com manobras impensáveis, tudo com muito efeito especial, claro. As cholitas voam mesmo, com uma indumentária que pesa uns 5kg e com os corpos pequenos e pesados. “Treino, treino e treino”, conta La Amorosa, nos seus 30 e poucos anos –não revela nem na morte a idade exata. Embora sedutora, no momento desta pergunta me fez olhos de kung fu diante de um inimigo. “Tudo é possível para uma índia ayamara, voamos no ringue talvez por um mistério do nosso povo resistente, temos a manha de inventar o inacreditável”.
Os ayamara enfrentaram incas e os invasores espanhóis e tem fama de braveza indômita. Deles originaram as cholas e cholitas espalhadas pela Bolívia com seus trajes garbosos. Em 2003, surgiu desse mesmo “pueblo” da cidade Del Alto, aqui nas cercanias do ginásio da luta livre, a chamada Guerra del Gás, com manifestações de rua contra o então chefe de governo Gonzalo Sánchez de Lozada. O protesto era contra a exportação, a preços módicos, do gás boliviano -principal riqueza do país- pelo Chile. O embate contra o poder oficial foi uma das principais contribuições para o triunfo, dois anos depois, do primeiro indígena, Evo Morales, como presidente de Bolívia.
E sabe quem estava à frente dessa luta, amigo(a) viajante? As cholitas de El Alto. “Empunhamos esta bandeira como nunca, na marra, no grito, muito mais do que os homens, que costumam ser mais plácidos e frágeis do que as mulheres aqui das redondezas”, narra Yolanda, La Amorosa, mãe solteira de duas crianças, faturamento na luta semanal, em media, de US$ 15, e complemento como vendedora de bugigangas e confecções de igual valor durante o mesmo período.
Haja pontapés no ringue. Entre as mulheres, ao contrário da luta livre dos homens, nada parece falso. Para que La Amorosa, a mais técnica entre 20 lutadoras que se revezam a cada domingo, perdesse o embate, careceu do juiz do ringue ajudasse Jenifer Dos Caras nas porradas. Nesse momento, o espetáculo vira algo como Os TrapalhõeQs, Monthy Phyton, embora sem perder a graça.
A seguir: Martha, La Alteña (gentílico de quem nasce na cidade de El Alto), uma maluca que solta gritos de calar todas as Américas. Contra Carmen Rosa, que de rosa só traz espinhos para a vingança. “Sou a mulher-contradição, flor e cutucões”, tenta decifrar-se.
Porrada!!!
Joao Wainer
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